De todos os mortos e suicidas, a voz dos afogados me parece, não sei porquê, a mais penetrante. Sobretudo aqueles que, literalmente, morreram na praia e sucumbiram ao sonho em ondas de uma maré alta, imperceptível.
Na realidade, quase desapareci há poucos meses, diante de um pôr do sol alucinado, em Porto de Galinhas, sofrendo com o sal do mar que me tomava e transbordava.
Há sete meses, exatamente, estava eu condenado a conhecer o desespero último de quem acaba tragado pelo o que há de mais belo na natureza.
Ficou no meu corpo o fôlego que faltava, e a onda que me puxava, mais precisamente, a sensação de ser barco bêbado como no poema de Rimbaud. Acho que é isso mesmo.
Não era para eu estar aqui agora escrevendo esta crônica, bebendo long neck e confabulando artimanhas depois de mais uma noite de estrelas arrependidas e sussurrantes.
Mas isso não vem ao caso.
Ocorre apenas que uma semana após eu ter completado 44 anos tudo estava armado para um desfecho trágico e cômico.
Trágico, porque haveria um morto na praia.
Cômico, porque era comigo, e tinha que ser logo em uma piscina rasa sob um banco de areia a escapar na direção das ondas, em refluxo.
Não fosse uma jangada e a sorte dos destinos mais heroicos…
Essa crônica me parece que serve exatamente para celebrar isso, a sobrevivência. E a entrega da própria vida a alguém completamente desconhecido. Alguém que não poderei nunca homenagear à altura.
Falar da morte é necessário, mas a que agora me ocupa, é outra.
Mais precisamente, a morte do escritor, assassinado simbolicamente, depois de ressuscitado pouco antes do pôr do sol.
Para dizer a verdade, até hoje não consegui superar esse acontecimento. Acho que nunca conseguirei. Mas uma coisa saiu dele e é sobre isso que quero falar.
Ou seja, o mesmo assunto de algumas das últimas crônicas: do escritor sem maiores objetivos. Aquele que não está mais à altura da própria promessa.
O Arrependido. Ou o incapaz de se expressar com a devida virulência. Explico:
Tornei-me um bunda-mole incorrigível. Alguém que precisa pedir licença antes de qualquer epifania. Aos poucos, estou me vacinando contra qualquer pretensão literária besta.
Venho me dedicando a “coordenar” oficinas de “escrita criativa”, fazendo da minha própria criação um conjunto mequetrefe de anedotas recapituladas.
Afinal, qual será o preço que se paga por um pouco de paz?
As confusões entre autor e narrador não podem ser subestimadas, mas poucos entendem isso. Fazem da literatura um humilhante conto familiar, como se isso pudesse interessar a alguém. Há sempre importantes lições para quem quer ir fundo e sem medo, custe o que custar.
O tempo das pequenas estratégias narrativas já era, e nenhuma história dos subúrbios virá até mim, redentora.
Nem o casmurro Bentinho pode ter a dele, era tudo ilusão, a história de um ressentido cavando subterfúgios nos quais ninguém irá acreditar.
Coach eventual em manhãs pouco inspiradas, eu já sei.
Esse o preço a pagar, antes do último pôr de sol esquizofrênico.