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Insatiable (Resenha)

Patty é uma menina gordinha que sofre bullying na escola. Depois de um dia onde tudo dá errado, é chamada de gorda por um mendigo que quer tomar seu chocolate. Ofendida, acerta um soco em seu nariz, recebendo em troca outro que quebra seu maxilar. Forçada a uma dieta líquida durante a recuperação, fica magra e, incentivada por seu advogado Bob, decide se dedicar ao circuito de concursos de beleza para se vingar de todos provando o quanto ficou bonita.

Ao se considerar a premissa da qual Insatiable (2018) parte, não é de se surpreender que tenha causado polêmica, e a Netflix provavelmente tinha consciência dessa possibilidade durante a divulgação. A ideia de uma série sobre a menina obesa fracassada que se torna incrível ao ficar magra passa uma mensagem completamente oposta do que se espera nos dias de hoje. Ou passaria, se esse realmente fosse o foco.

 

Pessoas complexas são complexas

Debby Ryan interpreta um tipo mais nuançado do que o trailer transparece: uma garota que alterna entre perder a linha com a atenção recebida pela beleza recém-descoberta e se sentir exatamente tão insegura quanto sempre foi. Motivada pela necessidade da aprovação que nunca recebeu quando gorda, pelo medo e ressentimento do abandono, acaba tomando as piores decisões possíveis e lidando muito mal com a própria agressividade.

Do outro lado temos Bob, interpretado por Dallas Roberts, um advogado/coach de miss, desesperado para provar seu valor para a sociedade, o pai que o rejeita e o inimigo de infância de mesmo nome, que é mais respeitado, tem um emprego melhor, uma família mais perfeita. Fazendo as vezes da figura paterna principal de Patty durante sua jornada, foi recentemente acusado falsamente de pedofilia pela mãe de uma miss que perdeu um concurso de beleza após o treinamento. Com sua reputação destruída e sem clientes, vê na menina, que atende gratuitamente no processo da briga que abre a série, porque “ninguém se importa com gordos ou mendigos”, como um meio de redenção.

 

Da sátira ao dramalhão

O começo da série tem um tom de sátira, com muitos voice-overs para não deixar dúvidas de quais são os reais objetivos de cada personagem central. Nisso, temos tramas que giram ao redor de imagem pública vs. autoimagem, a máscara da vida social vs. desejos íntimos, as relações de afeto vs. os interesses. Quase ninguém em Insatiable se aproxima de outra pessoa de forma completamente desinteressada, mesmo que todos se machuquem ao se verem usados na obtenção desses interesses. Também há uma quantidade imensa de referências a filmes e séries adolescentes clássicos, de Clube dos 5 à Pretty Little Liars, andando em um limiar entre a tiração de sarro e a homenagem.

Por outro lado, assuntos sérios são abordados com frequência e as piadas quase nunca parecem ser as custas de quem já leva bordoada da vida no mundo real. O humor da série parte dos absurdos e hipocrisias da vida pública em uma cidadezinha, não da moça ser gorda. Patty realmente sofre por ter sido excluída, e por mais que os personagens façam piadas maldosas com seu peso, a trama em si nunca deixa dúvidas de que essas pessoas estejam sendo, bom, maldosas. Esses momentos de sofrimento são tratados com uma pegada mais realista, e por pior que Patty seja como ser humano, e ela é uma pessoa horrível, a trama nunca sugere que ela mereceu o que passou. Debby Ryan consegue representar muito bem todo esse espectro, indo do pastelão de série da Disney à densidade que nos entrega em cenas como a do bolo, provavelmente a minha favorita da temporada pela crueza emocional.

 

Faminta por polêmicas

A série lida com uma série de temas que ainda poderiam ser considerados polêmicos de serem retratados. Temos aqui abuso sexual de menores (mas não de onde se espera), a descoberta da própria sexualidade, a criminalidade, aborto e o uso de drogas na adolescência, questões LGBT, etc. Apesar disso, as criticas me parecem baseadas mais na divulgação do que na obra em si. Por mais espinhoso que seja o alvo da piada, a narrativa ainda faz um julgamento moral pesado de “certo” ou “errado” e as coisas horríveis, mesmo quando tratadas com humor, nunca deixam de ser representadas como horríveis.  Se as abordagens nem sempre são politicamente corretas, as conclusões sempre caem meio perto de onde a sensibilidade atual já se encontra.

Mas o maior trunfo de Insatiable é, a meu ver, mostrar na complexidade de Patty que a vítima de bullying ainda é uma pessoa, e como pessoa, é tão capaz de crueldade, egoísmo e maldades quanto seus algozes. Mas há um cuidado para que isso não normalize a questão: Praticamente todo capítulo martela o quanto ser ostracizado e agredido deixa marcas que não desaparecem magicamente com a solução dos “defeitos”. A mensagem oposta do que a reação aos trailers deu a entender.

 

Vale a pena?

A série tem coisas muito boas, mas não é incrível. A construção dos personagens é interessante e as decisões e reações, por mais absurdas que sejam, sempre parecem orgânicas porque são construídas ao longo da narrativa. Por outro lado, em alguns momentos a trama não anda num ritmo legal e deixa a sensação de talvez funcionaria melhor com uns dois ou três episódios a menos.

Recomendo para quem gosta de trasheira high school ou tenha tido sua própria experiência com bullying.