Hoje começamos uma nova seção aqui do Papo de Autor! A partir de agora, teremos entrevistas com escritores publicados, falando tanto sobre seus livros quanto sobre suas experiências no mercado literário. Assim, você poderá conhecer melhor o trabalho dos nossos autores contemporâneos!
Para dar início a essa série, tenho o prazer de trazer para vocês um autor que já tem muitos anos de estrada, publicado por editoras de prestígio, com experiência em diversos gêneros e que acabou de lançar livro novo! Com vocês, Douglas MCT.
Douglas MCT
Douglas MCT escreveu O Coletor de Almas e as séries de livros Necrópolis e Betina Vlad e os Sobrenaturais, dezenas de contos em coletâneas, além de quadrinhos para Turma da Mônica, Hansel&Gretel, SUPER e Edgar Alan Corvo. De vez em quando o autor também faz roteiros para TV e games. Douglas mora em Socorro, interior de São Paulo, com seus dois gatos, Noite e Frida, com quem costuma tomar café e conversar durante a madrugada.
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Entrevista
Douglas, é um prazer enorme ter você aqui no Papo de Autor! Conte um pouquinho da sua história. Quando foi que você decidiu se dedicar à carreira literária? O que mudou de lá pra cá?
O prazer é todo meu, Karen! A minha história começa aos 3 anos, quando aprendi a ler com quadrinhos. O interesse pela literatura foi logo após. Desde pequeno escrevia minhas próprias histórias, fazia meus gibizinhos, e até alguns livros com sulfite e máquina de escrever, sem saber que isso poderia se tornar uma carreira. Em 1999, aos 16 anos, iniciei os primeiros contos, seguindo numa pegada de suspense psicológico. Em 2000, ganhei o Mapa Cultural Paulista na categoria Contos, o que me abriu mais os olhos para este mundo. Em 2003 ganhei novamente e em 2005 recebi uma Menção Honrosa. Montei um Clube do Livro na minha cidade natal.
Nesse meio tempo eu já havia concebido Necrópolis (minha série de livros mais famosa) e iniciado como roteirista dos gibis da Turma da Mônica (que foi meu primeiro grande sonho realizado), onde trabalhei por uns 4 anos e fundamentou melhor as bases da minha carreira. Nunca parei de escrever e em 2008 tive meu primeiro conto publicado, e desde então um por ano, fosse em antologia com outros autores, fosse em livros solo (lançados em 2010, 2012 e agora em 2018, 4 até então).
De lá pra cá, minha forma de pensar uma história mudou um bocado; minha escrita evoluiu bastante (o que tem me feito revisitar alguns textos antigos para relançamento), assim como o deslumbramento diminuiu bastante também, o que acho muito saudável. O mercado foi outro que mudou muito, com editoras médias e grandes abrindo mais portas para os autores nacionais. Há dez anos, isso era utopia. Outra coisa que melhorou, foi ver mais adeptos da literatura fantástica (que abrange fantasia, terror e ficção científica), principalmente no gosto dos leitores. Por outro lado, infelizmente, vem rolando uma terrível retração das grandes redes livreiras, o que vem prejudicando editoras de todos os portes, e naturalmente os autores, as pré-vendas etc. O mercado literário está sempre mudando e nunca dá pra saber se o que virá a seguir será uma ascensão ou um abismo.
E temos livro novo! Betina Vlad e o Castelo da Noite Eterna foi lançado no mês passado pela AVEC Editora. Nele, acompanhamos a filha do Drácula enquanto ela encara uma missão de resgate, foge de um caçador de sobrenaturais e descobre mais sobre si mesma. Qual foi o aspecto do livro que você mais gostou de desenvolver?
Com certeza foi o crossover entre os monstros, digamos assim. Essa ideia de encontro entre as criaturas clássicas do terror sempre me cativou. Quando adolescente, descobri que a Universal já realizava um “universo compartilhado” com seus filmes dos anos 40, 50, consegui assistir alguns deles e na ocasião já cogitava conceber algo do tipo, só que com outra pegada. Foi aí que em 2014 nasceu o primeiro protótipo do que viria a ser Betina Vlad.
Você já criou grandes personagens femininas antes, mas Betina Vlad é a primeira com um livro só dela. Como foi trabalhar com uma personagem mulher? Como você fez para evitar os estereótipos comuns na cultura pop?
Realmente. Tendo eu crescido entre muitas primas e irmãs, sempre consegui enxergar bem o lado feminino e tentar levar isso para minhas histórias de alguma maneira, diferente do que os roteiros machistas do anos 80 e 90 vendiam para o público da minha época. Karolina Kirsanoff, da saga Necrópolis, é uma guerreira forte e independente, apesar de num primeiro momento aparentar o oposto disso (numa concepção proposital). Vasilisa Prekrasnaya co-protagoniza O Coletor de Almas com a figura do título, e subverte o gênero de princesa em perigo. Pandora, do ainda não publicado infantil O Diário de Pandora (que vem sendo desenvolvido há 4 anos), assume as rédeas do destino quando, em um mundo de profecias e maldições, as regras ditam o contrário. E Gretel, do meu mangá Hansel&Gretel, outra co-protagonista, não só é a minha personagem predileta, como também da maior parte dos leitores, justamente por sua personalidade complexa e singular (mas só lendo pra sacar).
Mas de fato, Betina Vlad é a minha primeira personagem com livro próprio. A começar, penso que devo tratar qualquer personagem como alguém e não como algo. Se falamos de personagens humanos, então penso eles como figuras humanas, não como personagens, e nisso acabo escapando da armadilha de alguns estereótipos (que eu até gosto de usar, mas pontualmente em algum atributo do personagem, ou em coadjuvantes sem muita importância, só pelo efeito narrativo). Betina Vlad, especialmente e já evidencio isso nos Agradecimentos do livro, foi quase que completamente inspirada em minha última ex-namorada. O livro foi escrito pra ela, com a personagem inspirada em seus trejeitos, maneiras de falar e alguns gostos musicais e para roupas (lógico que com algumas liberdades poéticas). Apesar dela ter 30 anos, a reimaginei como se tivesse com 16, dentro do contexto sobrenatural da história, e assim a Betina foi nascendo. Minha protagonista é magrela, usa roupas folgadas e não tem a paixão como fio condutor em sua narrativa (apesar de uma paquera se desenvolver ali, só que como pano de fundo e com outro propósito). Observei também muito meu irmão de 18 anos e seus amigos e amigas de 16-18 durante a concepção do livro, para encontrar mais verossimilhança na voz da Betina, afinal o livro é em primeira pessoa.
Concluindo, eu quis sair da minha zona de conforto. Se em Necrópolis, me uso para construir o perfil e a voz de Verne Vipero, ou uso estereótipos de outras figuras de quadrinhos e livros para conceber protagonistas em outros livros e quadrinhos que criei, aqui eu procurei algo totalmente distante do que sou. Uma figura feminina forte, com personalidade, mas não panfletária, que se comporta como uma adolescente de 16 anos (pelo menos um perfil dos adolescentes, aqueles mais reclusos e ácidos). Depois, ainda, entreguei o original nas mãos de duas leitoras-beta, uma de 19, outra de 35 anos, para a lapidação final dessa voz e dessa visão toda. Foi um desafio maravilhoso e espero, de coração, ter alcançado meu objetivo com essa personagem que tanto amo. Torço para que o público também se apaixone pela Betina de alguma maneira.
O livro também conta com aspectos muito próximos à nossa cultura brasileira. Em primeiro lugar, a própria Betina Vlad é brasileira. Além disso, é uma menina que não conheceu o pai, algo que infelizmente é comum no Brasil. Você também teve inspiração de pessoas reais nestes aspectos?
Eu fiz uma brincadeira com o uso de cidades do interior do estado de SP para a concepção de Cruz Credo, a cidade fictícia onde Betina nasceu e não gosta nem um pouco, acrescentando ali alguns elementos de Tim Burton, como se a tal cidade fosse um cenário oriundo de Edward Mãos de Tesoura, com a minha própria experiência. Eu próprio sou nascido e criado em Socorro, interior de SP. Depois de 10 anos morando na capital, voltei pra cá e resolvi separar os elementos pejorativos de uma cidade pequena (pegando também de outras cidades da região) para criar Cruz Credo. O que sobrou de bom, que é muito mais do que ruim (quero deixar bem claro, afinal adoro o interior!), eu fiz com Águas Claras, uma cidade super bacana e fictícia, que é vizinha de Cruz Credo.
Em relação a pai ausente, eu mesmo não vivi isso, mas me inspirei nas histórias de dezenas de amigos nessa condição. Por outro lado, emprestei elementos emocionais da difícil relação que sempre tive com meu pai, que só melhorou em seus últimos anos e vida. E achei que poderia levar tais sentimentos para Betina quando reencontrasse o pai em algum momento do enredo. Acredito que muitas pessoas se identificarão com a personagem em algum sentido.
Além de romancista, você tem um extenso trabalho realizado em outras áreas da literatura e da comunicação, como criação de HQs, roteiros para TV, games, marketing e publicidade. Até que ponto você diria que essas experiências diversas contribuem para o seu repertório como escritor?
Eu não seria um romancista sem o restante. Tanto como leitor, como criador, defendo que as pessoas deveriam ter um repertório vasto de todas as mídias, de todos os gêneros e tipos de histórias. Assim, você lê melhor, escreve melhor. Ficar preso a uma coisa só é uma limitação chata e que só empobrece sua narrativa, ao meu ver.
Veja só, por exemplo. Enquanto leitor de quadrinhos, sempre fui fã de Turma da Mônica e Disney, mas também Asterix e Mortadelo & Salaminho. E Hellboy, Bone, X-Men e Homem-Aranha. E Fullmetal Alchemist, YuYu Hakushô, Vinland Saga. E Conan, Vampirella e Dylan Dog. Rowling obteve sucesso ao colocar elementos do policial clássico, à lá Agatha Christie, nas histórias de Harry Potter. Riordan mesclou mitologia e história para seus livros de Percy Jackson, mas estou ficando só nos best-sellers juvenis para fundamentar meus argumentos. Afinal, em meu livro, misturo aventura escapista (como em Indiana Jones), com tramas escolares (como em parte de Harry Potter ou Naruto) e pitadas de terror (oriundos dos filmes clássicos, e até alguns contemporâneos, que eu me inspirei).
Sou um cara muito visual, obcecado por cinema. Monto meus romances nos 3 atos dos filmes (o que não quer dizer que eu siga por clichês), que são mais objetivos e envolventes, e procuro pensar os clímax tais quais feitos em alguns longas. Não consigo escrever sem ouvir a trilha sonora de algum filme ou jogo. Eu sempre trago muito da estrutura narrativa do RPG para a construção das minhas tramas (e dedico um capítulo inteiro a ele no final de Betina Vlad). Muitos desenhos animados e séries desenvolvem personagens como ninguém (até mesmo pelo seu maior tempo para isso), o que colabora muito para quando estou criando os meus. Dos quadrinhos, eu geralmente empresto os diálogos ágeis e críveis, que ajudam a denotar a personalidade de cada personagem; como sou roteirista de HQs, isso pra mim é um caminho mais fácil. E a literatura, com sua infinidade de possibilidades narrativas e textuais, me permite escrever o livro que quero, com diferentes vozes e formatos (como os emails trocados, as cartas enviadas, os SMS, as notícias de jornal etc, vistos em Betina Vlad, por exemplo). Afinal, tudo é narrativa. Temos sempre de usá-las ao nosso favor, em vez de ficar preso a uma coisa só.
Como designer gráfico e diretor de arte, fiz um mockup de como gostaria que fosse a composição da capa do livro. Como antigo ilustrador e professor de desenho, passei alguns esboços para o Michel desenvolver os personagens. Como redator de publicidade e coordenador de marketing, fiz uso dos meus conhecimentos em redes sociais e outros contatos para uma divulgação massiva e viral de Betina pela imprensa. Como editor de vídeo, realizei alguns teasers para o projeto etc. Ou seja, a união de todas essas mídias e repertórios tem colaborado com meu livro, seja antes, durante ou depois.
Qual é o seu principal ponto forte como autor?
Ser criativo. Definitivamente e modéstia a parte, me considero muito criativo. Talvez pelo extenso repertório que me permito consumir diariamente, e pelas áreas profissionais em que atuo, ser criativo é crucial. Ser criativo me leva a ser inventivo, a repensar algumas soluções narrativas de maneira diferente do que eu já li ou vi antes. De tentar subverter alguma cena, evitando assim os clichês, mas também sem querer reinventar a roda.
E também, acho, que o fato de eu me permitir ser aberto a qualquer nova ideia que chegue até mim, sem restrições. Lendo e assistindo de tudo, sempre, descobrindo coisas novas. Então, eu colocaria ainda a curiosidade como outro atributo forte em mim como autor.
Você já teve seu trabalho publicado de diversas maneiras, entre elas com as editoras Draco, Gutenberg e AVEC. Como fez para ter seu material avaliado e como foi o processo de publicação?
Como comecei publicando contos em antologias com outros autores, na época isso dava certa visibilidade no mercado. Era quando as editoras separavam o joio do trigo e viam quais escritores valiam mais investimento, inclusive no que tange o uso deles em redes sociais. Eu sempre tratei meu Facebook, por exemplo, como um blog, e isso me fez ter contato com pessoas de todos os meios (mesmos meios que me referi antes, como cinema, quadrinhos, animações e claro, literatura). Enfim, a Draco já conhecia Necrópolis da época do Orkut (essa minha saga se popularizou fortemente naquela rede social, de 2005 em diante) e fez uma proposta, junto de outras editoras na época. Foi muito bacana e publiquei meu primeiro livro solo em 2010. A editora era pequena, então fomos crescendo todos juntos, com uma noite de lançamento incrível, e meu nome e meu livro na boca de blogueiros e booktubers na ocasião, o que ajudou também a popularizar a obra mais ainda.
Só que a Gabi Nascimento, que já tinha tentando publicar essa saga anos antes em editoras maiores, voltou em 2011 com uma proposta de lançar Necrópolis pela Gutenberg, que acabou comprando os direitos da série e relançando o primeiro volume em 2012, e depois o segundo; e também, lançando O Coletor de Almas, outro livro meu. Foi uma fase incrível, com mídia mais forte, maior presença em eventos ao redor do Brasil etc. Esse sucesso fez com que outras editoras me convidassem a participar de outras antologias com o passar dos anos.
Tive alguns problemas pessoais nos últimos tempos, o que me fez empacar um pouco na carreira. Então, quando tive a ideia pro Betina Vlad e o Castelo da Noite Eterna no final de 2016, enxerguei na AVEC uma editora com o perfil mais adequado para publicação do livro, bati um papo com o editor Artur, e o resto é história. O Artur foi crucial em vários sentidos para a obra, desde o sobrenome da protagonista, quanto do tom da obra. Estou muito feliz de seguir nessa casa nova, com tudo o que estamos planejando para o futuro.
Qual foi a maior dificuldade que você encontrou ao longo da carreira literária?
De lidar com a fama e com a frustração, que vem junto da fama. Ser artista, no Brasil ou em qualquer lugar do mundo, e em qualquer meio que seja (literatura, cinema, teatro) não é fácil em mais de um sentido. Em uma hora, os holofotes estão sobre você, em outro momento, de repente ninguém se lembra mais. É assim sempre. Por isso, se tem uma lição que aprendi nesse meio, entre várias, é a de focar em escrever e criar, e deixar o resto rolar. O que vier é lucro, e se não vier, que pelo menos você tenha alcançado um punhado de leitores.
Honestamente, posso dizer, que de tudo de bom que envolve esse universo, a parte que mais me interessa e a que sempre me importei, é a de ser lido. Como autor, quero ser lido, quero que minha história alcance alguém. Não pra mudar a vida dela, porque não escrevo auto-ajuda e nem acho que essa deva ser a função de uma narrativa de ficção. Mas que a divirta, que a entretenha e a que faça escapar da realidade, nem que seja por algumas horinhas. Tendo isso, todo o restante é o de menos.
Se pudesse voltar no tempo e dar um conselho para você mesmo antes de lançar seu primeiro livro, qual conselho daria?
“Douglas, foque-se em um livro por vez. Termine um, depois comece outro. E quando tiver lançado um, deixe ele brilhar, ter o seu tempo, a sua vez. Não publique mais de um livro por ano. E não exagere no café.”
Cada escritor tem uma vivência única, e é justamente isso que torna o diálogo tão especial. Douglas, obrigada por compartilhar as suas experiências com os leitores do Papo de Autor!
Eu que agradeço, Karen! A entrevista foi maravilhosa, com perguntas interessantíssimas, que realmente me deram a oportunidade de esclarecer vários pontos que eu sempre quis destrinchar. Parabéns também por esse projeto lindo que vem realizando e dando espaço para outros autores nacionais.
Um abraço forte em todos os leitores do Papo de Autor!
Para encerrar…
Você encontra o Douglas MCT no Facebook e no Instagram. Seu novo livro, Betina Vlad e o Castelo da Noite Eterna, está disponível na Amazon e no site da AVEC. Conheça o trabalho dele e prestigie nossa literatura nacional!
Recado aos autores: Eu tive o enorme prazer de convidar o Douglas para essa entrevista e ter meu convite aceito. Mas também estou recebendo sugestões! Se você é um autor publicado e tem vontade de compartilhar suas experiências aqui no Papo de Autor, mande uma mensagem para mim pelo facebook: Karen Soarele. Farei o máximo para acomodar todos os interessados.
Abração e até a próxima entrevista! 😀