O Labirinto de Tapista

Criação de livros-jogos, com Lucas Borne

Nos livros-jogos, o herói da história é você! Com uma mecânica ao bom e velho estilo “Você Decide”, o leitor é quem escolhe o caminho a traçar, e assim vive sua própria aventura. Quer entrar pela porta à direita? Vá para a página 315. Ou prefere seguir reto pelo corredor? Nesse caso, vá então para a página 106. E é com imenso prazer que hoje eu trago para vocês uma entrevista com Lucas Borne, autor de O Labirinto de Tapista, mais novo livro-jogo ambientado no mundo de Tormenta RPG e publicado pela Jambô Editora.

 

Lucas Borne, autor de O Labirinto de TapistaLucas Borne

Ser alfabetizado na Espanha não impediu Lucas Borne de se dedicar à escrita no Brasil. Muito pelo contrário, a infância em Barcelona serviu como inspiração para o que viria a escrever depois de retornar a Porto Alegre. Seu forte é o RPG. É autor dos seguintes manuais de Tormenta RPG: Manual do Arcano, Manual do Combate, Manual do Devoto, Manual do Malandro e do Bestiário de Arton Vol.2, além de ter contos publicados nas antologias Escândalos reinventados e Crônicas da Tormenta Vol. 2. Seu mais novo lançamento é O Labirinto de Tapista, um livro-jogo ambientado também no cenário de Tormenta.

Além de autor, Lucas atua como engenheiro eletricista, tendo se formado na UFRGS em 2011. Nas horas vagas, dedica-se a seus inúmeros hobbies: jogos de computador, miniaturas, literatura, cinema, Magic: The Gathering e, é claro, RPG.

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Entrevista

Manual do Arcano, suplemento para Tormenta RPG, escrito por Lucas Borne e Leonel Caldela, publicado pela Jambô Editora.
Manual do Arcano, suplemento para Tormenta RPG escrito por Lucas Borne e Leonel Caldela, publicado pela Jambô Editora.

Lucas, é um prazer enorme ter você aqui no Papo de Autor! No Brasil, um país com 200 milhões de habitantes, são pouquíssimas as pessoas efetivamente trabalhando com RPG. Você é uma delas! Como iniciou na carreira? O que mudou de lá para cá? Conte um pouquinho da sua história.

É, realmente são poucas, especialmente quando comparado com os EUA. Mas acredito que o hobby (e a quantidade de pessoas que trabalham com ele) esteja crescendo. Stranger Things foi um marco na aceitação do RPG (D&D especificamente) como mainstream, já que os personagens aparecem jogando no seriado. Eu até mesmo diria que está “na moda”. A “onda nerd/geek” chegou faz anos e todos querem surfar nela.

A minha carreira como autor iniciou com o Manual do Arcano em 2012, escrito em 2011. Mas espiritualmente começou muito antes, na minha “era de ouro” de jogos de RPG. Entre 2000 e 2010 eu joguei muito RPG e também mestrei bastante. Eu sempre inventava regras e algumas mecânicas novas, mas houve um momento em que decidi “quebrar” o D&D 3.5 e fazer algo como uma criação de personagem livre, que o jogador pudesse escolher qualquer coisa de qualquer classe, desde que tivesse os pré-requisitos. Usei esse sistema por um bom tempo e vi que funcionava. Agora nesse ponto da história entra o fator sorte, ou destino, como alguns gostam de chamar.

Eu comecei a jogar com o pessoal da Jambô nos meados de 2000. No início, a Jambô era uma loja, e não uma editora. Nosso grupo era (e ainda é) composto por Guilherme Dei Svaldi, Leonel Caldela, Rafael, Márcio, André, entre outros. Nesse período da “era de ouro” eu via os lançamentos de RPG da Jambô ao mesmo tempo que íamos jogando, e pude acompanhar de perto o crescimento da editora. Quando eles assinaram com a licença de Tormenta, confesso que não dei muita bola, pois eu nunca tinha jogado e não havia lido quase nada. Mas com o tempo vi o Leonel Caldela escrevendo os romances de Tormenta e o Guilherme editando os livros, e comecei a simpatizar. Então me dei conta que eu tinha muito material pronto das minhas campanhas, e um belo dia conversei com o Guilherme e me propus a escrever um livro sobre classes, como havia em várias versões de D&D. Assim nasceu a série dos manuais: eu pedi para fazer, e fiz. É claro que foram anos de experiência para me levar a esse estágio de maturidade e confiança (jogo desde 1995), e tanto a editora quanto eu, como autor, evoluímos nesse período.

O que mudou principalmente foi que o mercado hoje em dia tem mais opções, tanto em qualidade quanto em quantidade. A própria linha de Tormenta diversificou bastante. E novidades como crowdfunding, streaming, influencers… não era assim em 2010.

 

O Labirinto de Tapista livro-jogo ambientado no mundo de Tormenta, escrito por Lucas Borne e publicado pela Jambô Editora.
O Labirinto de Tapista livro-jogo ambientado no mundo de Tormenta, escrito por Lucas Borne e publicado pela Jambô Editora.

E temos livro novo! Depois de publicar cinco manuais de Tormenta RPG e dois contos em coletâneas, você surge com O Labirinto de Tapista, que é um livro-jogo. Foi muito diferente escrever nesse novo gênero? Qual foi o aspecto que você mais gostou de desenvolver no livro?

Foi bastante diferente, sim. Foi o primeiro livro em que eu fiz tudo: conceito, estrutura, escrita. E haja escrita! Foram quase dois anos escrevendo, reescrevendo e finalizando. Além do volume de trabalho, a maior diferença foi ter que decidir tudo sozinho, enquanto antes eu estava acostumado a fazer tudo em dupla ou trio. Quanto ao gênero, eu não senti tanta diferença pois sempre fui o encarregado de criar os conceitos e as regras dos manuais, então esta parte foi tranquila.

O que eu mais gostei foi a parte da criação, bolar como iam ser os caminhos, os enigmas, os personagens, os desenhos (eu fiz todos os esboços)… essa foi a parte que mais gostei.

 

Tormenta é um cenário de fantasia conhecido por levantar certas questões polêmicas, que servem tanto como ganchos de aventura quanto como assuntos para reflexão. E você escolheu justo uma dessas questões como ponto de partida para o livro: a escravidão em Tapista. Qual foi o objetivo ao colocar o leitor-jogador na pele de um protagonista escravo?

No caso do Labirinto, o que me veio à mente primeiro foi o cenário: um labirinto gigante, no modelo dos livros-jogos clássicos. Os elementos iam surgindo e eu ia montando a ambientação. A idéia de protagonista escravo veio como consequência da localização, e serviu de pretexto. Também achei que a motivação de receber a liberdade seria tão forte quanto qualquer outro troféu de uma jornada heróica.

Não foi minha pretensão tratar do aspecto social da escravidão. Acho que o tema é mais apropriado para um romance do que um livro-jogo.

 

Como você começou a jogar RPG? As aventuras vividas na sua mesa de jogo serviram de inspiração para as diversas possibilidades em O Labirinto de Tapista

O primeiro objeto relacionado a RPG que vi foi uma ficha de GURPS. Pertencia ao meu irmão mais velho, que havia começado a jogar com os amigos dele. Como eu era mais novo, fiquei de fora e só na curiosidade. Por sorte, logo encontrei os livros-jogos da Fighting Fantasy, lá por 1994 ou 95 (na época eram publicados pela Editora Marques Saraiva). Eu jogava todos que conseguia encontrar, comprar ou pegar emprestado. Uma das coisas que mais me cativou foi a arte desses livros, são simplesmente fantásticas. Depois eu e um amigo encontramos o livro RPG – Aventuras Fantásticas, de Steve Jackson,  depois outros dois livros desta linha que introduziram um sistema e cenário de Allansia: Dungeoneer e Blacksand! Começamos a jogar com esse sistema e depois acabamos migrando para AD&D 2ª edição. Eu sempre ia buscando novos amigos para jogar, e durante anos joguei outras edições de AD&D (3ª, 3.5, 4ª e 5ª), Vampiro: a Máscara (2ª e 3ª edições) e vários outros. Confesso que nessa época eu parei completamente de jogar livros-jogos, com poucas exceções. Só voltei quando o Guilherme Dei Svaldi lançou o Ataque a Khalifor.

Com toda certeza jogar RPG de mesa contribuiu como inspiração, e as campanhas que eu mestrei contribuíram para me sentir seguro no aspecto de preparação de aventuras e construção de mundo.

 

Crônicas da Tormenta vol.2, antologia organizada por J. M. Trevisan, contendo o conto O Coração de Arton, de Lucas Borne.
Crônicas da Tormenta vol.2, antologia organizada por J. M. Trevisan, contendo o conto O Coração de Arton, de Lucas Borne.

Além de escrever, você trabalha como engenheiro, é faixa preta de Taekwondo e tem uma bela lista de hobbies, que inclui fazer maquetes e pintar miniaturas. Até que ponto esses interesses diversos contribuem para o seu repertório como escritor?

Acho que todas as experiências pessoais acrescentam algo ao seu texto, principalmente se pudermos traçar paralelos. E também ajudam a criar uma empatia ou maior conhecimento do assunto. Praticar artes marciais pode ser associado com qualquer exercício físico que exija mais esforço; artesanato pode ser associado com qualquer tipo de trabalho manual; jogos de mesa com algum desafio mental ou competição, e assim por diante.

 

Entre 2016 e 2017, você participou de uma série de cursos de escrita criativa ministrados pelo Prof. Pedro Gonzaga. Qual foi o aprendizado mais útil que conquistou ao longo desses dois anos? Quais tipos de cursos você recomenda às pessoas que desejam trabalhar com a escrita?

Acredito que conviver com outros escritores/leitores e poder ouvir as críticas de primeira mão foi a melhor lição. E por ser um grupo variado, também pude identificar vários tipos de perfis de leitores, e com isso já antecipar algumas reações. Eu recomendo oficinas de escrita criativa, junto com livros sobre escrita. Dependendo da cidade, há muitas opções, e é possível encontrar professores com diferentes metodologias. Uma delas têm que servir!

 

Qual é o seu principal ponto forte como autor?

Acho pretensioso dizer que sou bom nisso ou naquilo. Principalmente por que um leitor pode encontrar valor em um aspecto do texto, enquanto outro leitor gosta mais de outro aspecto. Mas sendo mais direto, acho que entre a idéia e execução, acho que minhas idéias são melhores que os textos. Ou menos pior, modestamente falando.

 

Bestiário de Arton volume 2, suplemento de Tormenta RPG escrito por Lucas Borne, Gustavo Brauner e Leonel Caldela.
Bestiário de Arton volume 2, suplemento de Tormenta RPG escrito por Lucas Borne, Gustavo Brauner e Leonel Caldela.

Qual foi a maior dificuldade que você encontrou ao longo da carreira?

Com certeza é conciliar a carreira profissional (de engenheiro) com a de escritor. Não há tempo suficiente para as duas, e sempre que trabalho em uma sinto que devia estar trabalhando com a outra.

 

Se pudesse voltar no tempo e dar um conselho para você mesmo antes de lançar seu primeiro livro, qual conselho daria?

Pergunta difícil! Tudo o que fiz no passado foi fundamental para a minha personalidade atual. Eu sinto que se tivesse feito alguma coisa diferente, teria deixado de fazer outra que também era importante.

Acho que o meu “eu” mais jovem não estaria pronto para começar a escrever, então eu deveria me aconselhar a começar um curso de escrita. Mesmo se eu não fosse capaz de absorver os ensinamentos certos, pelo menos eu iria conhecer bastante gente legal!

 

Para encerrar…

Você encontra o Lucas Borne no Facebook e seus livros estão disponíveis no site da Jambô Editora. Inclusive, eu já gravei uma vídeo-resenha do Labirinto de Tapista. Conheça o trabalho dele e prestigie nossa literatura nacional!

Cada escritor tem uma vivência única, e é justamente isso que torna o diálogo tão especial. Lucas, obrigada por compartilhar as suas experiências com os leitores do Papo de Autor!

Abração para todo mundo, e até a próxima entrevista! 😀