Postado originalmente no Cultura Nerd e Geek, em 02/03/2017
Em uma sociedade distópica, movida por tecnologia complicada e ineficiente, e um Estado burocrático e autoritário, um mero erro de documentação coloca a vida de pessoas em risco quando o governo decide eliminar os cidadãos envolvidos ao invés de corrigir uma falha em seu sistema. Enquanto isso, um funcionário de baixo escalão busca a mulher, literalmente, de seus sonhos.
Brasil – O Filme (Brazil, 1985) é dirigido por Terry Gilliam, ex-membro do Monty Python, e, ao contrário do que o nome (e talvez o roteiro) indique, não fala sobre o Brasil, tendo sido nomeado a partir da versão em inglês da música “Aquarela do Brasil” (“Brazil”, em inglês) de Ary Barroso, que toca repetidas vezes durante o filme, geralmente como forma de reforçar o sentimento de ironia das cenas.
A história gira em torno de Sam Lowry (Jonathan Pryce), um funcionário de baixo escalão do governo, satisfeito em sua função apesar do desgosto de sua mãe rica, socialite e viciada em cirurgia plástica. Sam sonha com uma realidade em que ele é um herói com uma armadura alada que luta para salvar uma bela mulher e começa a ter problemas quando seu ar condicionado quebra. Tentando solucionar um problema burocrático na região pobre da cidade, encontra uma mulher idêntica a de seus sonhos.
A distopia retratada no filme lembra muito a do livro 1984 do George Orwell, com um governo obcecado em acumular e processar informações sobre tudo e todos, mas com algumas diferenças essenciais que fazem um não ser mera cópia do outro, como Brasil ser uma comédia de humor negro que representa uma sociedade hipercapitalista, sem uma figura igual à do Grande Irmão. O humor do filme geralmente aparece no absurdo das situações, como a mulher que tem que assinar várias vias de um formulário para que prendam seu marido, as pessoas que continuam seu jantar em um restaurante ou compras em lojas apesar de uma explosão terrorista ter matado dezenas de pessoas a menos de dez metros.
A sociedade criada por Gilliam é surpreendentemente rica para um filme não complementado em nenhuma outra mídia, dando ao espectador a possibilidade de deduzir muito sobre a forma seu funcionamento pelos detalhes de cena que nunca são comentados pelos personagens, como os vários cartazes espalhados pelos fundos dos cenários, a tecnologia com um ar steampunk, a forma como as pessoas só assistem aos mesmos filmes antigos, e por aí vai, sendo daquelas obras que recompensam quem as assiste mais de uma vez.
Engraçado, bizarro e perturbador, Brasil é uma obra de arte que, além de nos fazer refletir sobre o que o futuro pode trazer, também nos permite rever algumas coisas que o presente já nos oferece. Recomendadíssimo.